quarta-feira, 30 de maio de 2007

Unidade da esquerda: nem sectarismo, nem conciliação


Por Ivan Pinheiro*

Desde o advento do primeiro governo Lula, a esquerda brasileira está dividida em dois blocos. De um lado, na base de sustentação do governo, PT, PcdoB, PSB, mais CUT, UNE e MST. De outro, PCB, PSOL e PSTU, formando com outras organizações uma frente de oposição de esquerda. No movimento social, desta frente surgiram a Conlutas, num primeiro momento, e a Intersindical, mais recentemente.

Todas essas forças políticas estavam unidas no enfrentamento ao governo FHC e apoiaram Lula, pelo menos no segundo turno de 2002. Com a posse deste, as divergências -- esmaecidas em razão da unidade na luta contra FHC -- passaram a fazer parte do cotidiano. Agora se tratava de governar!

A divergência fundamental entre estes dois blocos diz respeito ao caráter da revolução brasileira. Os que apóiam o governo Lula, e ainda se dizem socialistas, defendem uma etapa nacional-democrática, portanto em aliança com a "burguesia nacional", daí decorrendo a opção preferencial pela luta institucional.

Já a oposição de esquerda considera que o capitalismo brasileiro é plenamente desenvolvido e fundamentalmente associado ao grande capital internacional, razão pela qual a revolução brasileira tem hoje caráter socialista. No caso do PCB, isto não significa subestimar as lutas nacionais, democráticas e populares, embora sem considerá-las como uma etapa estanque, mas sim como parte da dialética do processo revolucionário.

A partir da reeleição de Lula, fica cada vez mais claro que se trata de um "novo" governo, mais conservador que o primeiro. Os indícios são muitos, entre os quais destacam-se:

- a enorme base de sustentação, centrada no PMDB e nos partidos conservadores;

- o definhamento da esquerda petista nas direções partidárias, nas bancadas e nos governos estaduais e municipais;

- o agravamento do fisiologismo, da cooptação e da corrupção;

- a retomada do calendário de contra-reformas neoliberais;

- o realinhamento da política externa para o "centro", aproximando-se do governo Bush e se afastando dos governos populares e progressistas da América Latina;

- o fetiche do crescimento a qualquer preço, mesmo que sacrificando direitos sociais e trabalhistas e o meio-ambiente;

- um viés autoritário, marcado pela tentativa de restrição ao direito de greve e pela criminalização de movimentos sociais.

A confiança das massas em Lula é tão grande que lhes deram uma segunda chance, perdoando todas suas vacilações e traições do primeiro mandato, debitadas generosamente na conta das dificuldades por não ter maioria e outras desculpas. Só que agora as massas começam a refletir sobre sua própria experiência. Com o início do processo de desilusão, reanima-se aos poucos o movimento de massas em nosso país.

É nesse quadro que se dá a possibilidade da recomposição da unidade de parte da esquerda brasileira. Pressionados no movimento social, perdendo espaço político, setores sindicais e populares da esquerda governista se aproximam da esquerda oposicionista, daí resultando atos amplos e unitários, como o Encontro Nacional Contra as Reformas, em 25 de março, em São Paulo, alguns atos do Primeiro de Maio e, mais recentemente, as manifestações do Dia Nacional de Luta, em 23 de maio.

A nosso ver, a esquerda oposicionista deve-se comportar com relação a esta tendência de forma equilibrada, pensando grande e longe, ou seja, privilegiando os interesses táticos e estratégicos do proletariado e dos trabalhadores em geral.

Isto significa, em primeiro lugar, reconhecer que é positivo que setores governistas de esquerda se afastem do governo e retornem às lutas populares. Tanto para derrotarmos a agenda de contra-reformas como para a construção do bloco histórico, na perspectiva do socialismo. Sendo assim, devemos tratar esses setores sem sectarismo, respeitando o ritmo e as limitações de cada um. Sem ilusões. Primeiro, porque não são todos os setores da esquerda governista que farão esta inflexão. Segundo, porque alguns deles podem estar fazendo apenas uma manobra tática, para não perderem entidades de massa e/ou se cacifarem na base de sustentação do governo.

Mas também não podemos cair no outro extremo, no outro erro, tão grave quanto o sectarismo: a conciliação. Não podemos fazer de conta que as divergências acabaram. A unidade se faz com luta. Respeitar as limitações não significa aceitar manipulações ou vacilações que, ao invés de ajudar, atrapalham a luta de classe.

É óbvio que cada lado tem que flexibilizar suas posições, sob pena de inviabilizar a unidade de ação. Por exemplo, se os governistas não podem (ainda) aceitar um ato de oposição ao governo, mas podem participar de um ato apenas contra a política econômica, podemos aceitar que este seja o eixo, mesmo sabendo que não existe um "governo bom, com uma política econômica ruim" e que a política econômica não era "do Palocci", como não é "do Meireles", mas do Presidente Lula. Portanto, podemos participar de um ato conjunto na porta do Ministério da Fazenda, mas desde que ali cada um faça o seu discurso com liberdade e que todos se respeitem.

Para dar outro exemplo, a esquerda oposicionista pode e deve participar da campanha pela "anulação do leilão de privatização da Vale do Rio Doce", hoje hegemonizada por importantes setores de esquerda, que adotam uma postura de independência com relação ao governo Lula. Mas não podemos abrir mão de deixar claras algumas questões a respeito:

- o centro da luta deve ser a mobilização para exigir a convocação de um PLEBISCITO POPULAR pela anulação do leilão da Vale, mas deixando claro que o objetivo da anulação é a REESTATIZAÇÃO da empresa, para colocá-la a serviço dos interesses populares e não os do capital.

- a argumentação central não pode ser que o preço pago no leilão foi baixo; nem o espaço principal da luta pode ser a via judicial. São dois erros, que podem levar a justiça a legitimar o leilão ou a marcar outro ou, ainda, a condenar o consórcio vencedor a pagar uma indenização, para compensar o baixo preço!

- a privatização da Vale foi um ato político, que assumiu também uma forma jurídica. A luta, portanto, deve ser eminentemente política. Deixar a anulação daquele ato político apenas nas mãos da justiça, além da ilusão de classe e dos riscos apontados, significa isentar o governo Lula e o Congresso Nacional da crítica pela omissão e cumplicidade com relação às privatizações da era FHC.

- além do mais, não podemos deixar de lado a luta pelo fim dos leilões da Petrobrás, iniciados por FHC e mantidos por Lula.

Finalmente, ainda sobre o tema da ampliação da unidade, mesmo estimulando-a, em nome dos interesses da classe, não podemos abrir mão da construção e fortalecimento da frente da esquerda oposicionista, até porque as divergências de fundo com a esquerda governista não desapareceram. E a principal delas, como se disse aqui, são as ilusões num projeto nacional-desenvolvimentista e na democracia burguesa.

* Secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Fonte: www.pcb.org.br

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